Bondinho de Santa Teresa: embalando saudades e conflitos!

Festa de aniversário reúne moradores e turistas contra a privatização

POr ALine Souza - Jornalista
Lá vem ele. Com o seu titilar elétrico pelas ruelas e ladeiras de Santa Teresa. É assim que os moradores do bairro carioca conhecem o som do transporte público mais antigo do Rio de Janeiro. O Bonde de Santa Teresa comemorou 112 anos no último dia seis de setembro em uma festa que teve sabor de manifesto. O motivo é a intenção do governo estadual que, de acordo com a AMAST – Associação dos Moradores e Amigos de Santa Teresa - quer privatizar o serviço de bonde para destiná-lo somente ao uso turístico sob a alegação de que o custo da passagem (0,60) não cobre os gastos de manutenção. Atualmente estes gastos são financiados com a verba da Central – Companhia de Engenharia Transportes e Logística de responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro, que deveria ser repassada pela Setrans – Secretaria Estadual de Transportes para gestão e aplicação da quantia nos bondes e linhas pelo qual ele trafega. Na realidade um orçamento próprio destinado ao bonde não existe, como afirma Paulo Saad, presidente da AMAST.

Informações apuradas com a associação de moradores apontam que em 2001, na gestão Garotinho, havia 10 bondes em circulação que eram vistoriados sistematicamente na garagem do bairro. No final de 2004 restaram somente quatro bondes em devastação progressiva. Após esse período, no mesmo ano foi feito um acordo com a governadora Rosinha, que previa 22 milhões de reais para a reforma das estações e da rede elétrica, assim como a reforma da via permanente e dos bondes. Segundo Saad, o acordo não foi comprido. Os moradores denunciam ainda que, há cerca de três anos, foram levados para a cidade de Três Rios 12 dos 14 bondes existentes, restando somente dois em circulação no momento. À época foi feito um acordo no valor de R$ 14 milhões com o Banco Mundial e o governo estadual pagos à empresa T-Trans para reforma dos bondes, que gastaria 1 milhão por bonde reformado. De acordo com os moradores, “foi o maior mico da história, pois na hora H o bonde restaurado e modernizado pela empresa não saiu do lugar e aparentemente também não faria as curvas necessárias que a geografia do bairro exige”, relatou Renato Machado, testemunha ocular do episódio.

A AMAST e os moradores questionam agora o motivo pelo qual o INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural) aprovou o projeto de reforma que visa à modificação da mecânica original do bonde. A Secretaria Estadual de Transportes informou que outro protótipo está sendo testado numa linha construída em Três Rios especialmente para esta finalidade. Este protótipo está sendo chamado de VLT (veículo leve sobre trilho). É bom lembrar que o mesmo instituto tombou em 1988 o Bondinho de Santa Teresa como sendo Patrimônio Cultural Estadual . Outra indignação dos moradores é a informação de que a Secretaria Estadual de Planejamento abriu licitação para formular um estudo que aponte a viabilidade de conceder a uma empresa privada o serviço do transporte de passageiros do Sistema de Bondes de Santa Teresa. Os moradores não querem que o sistema de bondes, que completaram 112 anos em 1º de setembro, seja privatizado.

Em entrevista ao Jornal do Brasil do dia 9 de maio deste ano, o diretor de produção da Setrans, Fábio Tepedino, apontou problemas para a reposição das peças e do maquinário. “Os trilhos não são mais fabricados, tudo é difícil. Tudo mudou mecanicamente e os fornecedores não trabalham mais com aqueles sistemas. Temos um freio muito melhor, vamos economizar 50% de energia e teremos menos problemas de manutenção. Isso são normas técnicas que os bondes antigos não cumprem” justifica.

A empresa francesa Sistran Engenharia está coordenando uma série de simulações técnicas e de demandas e custos para viabilizar a privatização. Esta informação foi publicada no Diário Oficial do último dia 25 de agosto. O próprio Secretário dos Transportes, o senhor Julio Lopes teria alegado publicamente que a empresa favorita para essa atividade seria aquela que já explora o Corcovado e que está sob a direção de Sávio Neves, parente do governador de Minas Gerais (Aécio Noves), e que hoje é utilizado somente por turistas a preços altos.

Paulo Saad questiona a utilização indevida da verba pública: “Com um milhão por bonde compra-se 12 Vans com ar-condicionado zero km. Por muito menos podemos conservar um bonde por 10 anos. Se o dinheiro que está sendo utilizado para a modificação fosse utilizado para a melhoria da via permanente e dos bondes, com reposição de peças e manutenção na oficina do bairro, muito mais poderia ser feito na restauração do sistema antigo”, afirma.

Hoje o bondinho percorre cerca de 7 KM até o bairro Silvestre, o poderia explicar perfeitamente o valor de R$0,60. A posição da AMAST é que, se o estado mantiver uma estrutura básica, com contratação de pessoal qualificado, pagamento das contas básicas e mantendo a via elétrica e a permanente, é perfeitamente possível organizar os moradores em cooperativa para operar os bondes e administrar seu funcionamento. A principal finalidade dessa cooperativa segundo Paulo Saad seria a construção de um “bonde público, bom e barato para todos, que não exclua o turista, mas que o faça conviver com os moradores do bairro que dependem do bonde como meio de transporte”. A vice-presidente da AMAST, Juçara Braga, reforça que a luta é “pela restauração e manutenção do bonde e não reforma. Protestamos contra a agressão à sua estrutura original”.

Dona Didi, de 78 anos e moradora do bairro há 50, estava presente na manifestação e reclama que hoje em dia os bondes demoram muito para passar. Recorda-se que já namorou muito no interior dos bondes quando era jovem, mas que hoje quase já não consegue subir nos estribos por conta da idade. “Estou aqui em homenagem ao bonde para dançar no Bloco das Carmelitas. Eu sou a madrinha do Bloco” diz orgulhosa.

No evento passaram aproximadamente 1500 pessoas no Largo do Guimarães, que lotaram as ruas para ver a apresentação de Lia de Itamaracá com sua cirandeiras. Na verdade, todos nós sabemos que o bonde de Santa Teresa pertence a outro tempo, a outra época. Talvez ele já não combine mais com os carros que circulam pelo bairro, cheios de turistas ou não. Talvez haja aqui uma discussão que irá gerar outro problema que é a forma que se daria a convivência do bonde com o frenesi moderno das grandes metrópoles.

Entretanto, um fator importante lembrado por Juçara Braga é o clima intimista do bonde: “são coisas simples que tornam a nossa vida muito melhor. Isso não mais existe nos ônibus que trafegam pela cidade, no interior dos quais impera o silêncio e onde nos tornamos todos anônimos uns para os outros refletindo o clima de desumanização da cidade”, desabafa. Por fim, o que mais importa para os antigos moradores do bairro, um tanto saudosistas em verdade, é que no bonde eles encontram um espaço de conhecimento e de reconhecimento que permite encontros, conversas entre vizinhos em clima ameno e harmonioso. Viva o bonde!

Frases ouvidas durante reunião da Associação dos Moradores (AMAST)
• “Que bom! A mídia pautou o nosso “carnaval” pelo bonde! Manifesto para eles tem que ser festa, senão não cobrem!”.
• Intelectuais da geração 68 que circularam pela Europa na juventude tomam chá e falam da massa: “eles se comportaram bem, não interromperam o discurso e lotaram o local!”.
• “Tribunal quando está no bolso é causa perdida”.
• “Soltaram os cachorros em cima dos ficais do controle urbano. Um quase rasgou a calça. Queremos preservar os casarões. Pô! Puxadinho não pode!”.
• “As chuvas vêm aí heim? Isso me lembra a enchente de 1966, a descida da Rua (sei que lá)!”.
• “Pó, Lili dos gatos! É restaurante ou pensão? Decida-se! Vou pegar o binóculo hein?”.


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